Policial

Emaranhados: Furto de fios em MS acende alerta para a receptação e pode levar à multa de R$ 10 mil

Com quilo do cobre alto para quem revende, demanda pelo furto tem origem, muitas vezes, em ferros-velhos



Operação da GCM atua em ferros-velhos de Campo Grande - (Foto: Nathalia Alcântara, Jornal Midiamax)



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Os furtos de fios em Campo Grande já caíram na rotina dos moradores e também das autoridades de segurança pública e isso não é um segredo. Quase todas as semanas, notícias sobre esse crime tomam em peso as páginas e os registros nas delegacias. O que muitas pessoas não sabem é que o furto de fios está relacionado a um crime maior e lucrativo para quem o comete: a receptação de cobre.

Isso porque autores dos furtos vendem os fios de postes de energia elétrica, e também outros materiais de cobre – como tampas de bueiro, tampas de esgoto, tubulação de ar-condicionado ou cabos de telefonia – aos proprietários de ferros-velhos, que comercializam para empresas de pequeno a grande porte. 

Essa é a segunda etapa da série de reportagens do Jornal Midiamax sobre os caminhos que os fios de cobre furtados percorrem em Campo Grande. Na primeira etapa, você leu mais sobre o furto. Agora, é hora de entender sobre a receptação.

  • A receptação ocorre quando uma pessoa recebe, compra ou guarda produtos frutos de roubo ou furto e é prevista no artigo 180 do Código Penal. Esse crime pode ser doloso, quando o autor tem ciência de que está com o bem advindo de atos criminosos, ou culposo, quando ele não sabe do crime.

A GCM (Guarda Civil Metropolitana) é a autoridade que toma à frente quando o assunto é furto de fios em Campo Grande. Uma grande ação para coibir essa prática é a chamada ‘Operação Ferro-Velho’, que percorre alguns estabelecimentos na Capital sul-mato-grossense com o intuito de buscar por materiais que possam ser fruto desses furtos de cobre pela cidade.

Isso porque muitos desses locais compram os materiais furtados dos usuários de drogas ou dos chamados “criminosos comuns” para revender a empresas. Essa via de mão dupla – entre os autores dos dois crimes – é lucrativa para ambas as partes, uma vez que o cobre furtado pode ser vendido até a R$ 30 e revendido de R$ 40 a R$ 44, a depender do tipo de cobre.

 

Materiais apreendidos em ferro-velho – (Foto: Nathalia Alcântara)

E é justamente essa demanda dos autores da receptação que movimenta o mercado de furto de fios de cobre. O subcomandante da Guarda e coordenador de Operações, Alexandre Pedroso, explica o ciclo. “É um dinheiro fácil, que ele pode transportar, vender, adquirir a droga. Depois volta, pega mais um pouco e assim vai. É um ciclo”.

Na raiz do problema

A GCM ficou alerta quanto às práticas da compra dos materiais furtados pelos ferros-velhos e demais estabelecimentos e, por isso, criou e intensificou a Operação. Não adianta apenas tentar parar quem comete o furto porque ele irá existir conforme a demanda. Uma solução vista como eficaz é tentar interromper a receptação, para quebrar o ciclo no meio.

Uma lei aprovada em maio de 2022 exige a comprovação de origem ou procedência na comercialização de cobre, alumínio e estanho em Campo Grande. Contudo, apenas em outubro do ano passado, a Prefeitura de Campo Grande assinou o decreto para regulamentar as ações contra os furtos.

Conforme a regulamentação, o estabelecimento que comercializar o produto, sem a comprovação da procedência ou origem, pode sofrer multa de R$ 10 mil, além da reclusão de 1 a 4 anos do responsável pelo estabelecimento e a cassação do alvará de atendimento do proprietário e sócio pelo período de 10 anos.

A Guarda Civil Metropolitana realiza as ‘Operações Ferro-Velho’ desde novembro de 2023. As ações, além de combaterem a revenda dos fios furtados, também fiscalizam o funcionamento dos estabelecimentos, como alvarás e licenças ambientais necessárias.

Antes deste decreto, a Guarda Municipal Metropolitana já atuava na fiscalização dos estabelecimentos, mas tinha a barreira sobre a estocagem do material encontrado. A nova lei cobre a procedência dos materiais independente da quantidade: pode ser um pedaço de cobre ou uma tonelada. Quem não apresentar será notificado e terá o alvará cassado.

A ação é realizada em parceria com outras forças e órgãos públicos, como a Semadur (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano), Vigilância Sanitária, Patrulha Ambiental da GCM, Energisa e empresas de telefonia.

Apreensões em grande escala

É importante esclarecer que a venda de cobre não é ilegal, o que é ilegal é a revenda de cobre sem a comprovação da origem desse material, o que acaba por se tornar a receptação. O coordenador de Operações da GCM explica que “o comerciante que tem uma empresa precisa ter um livro ata, onde vai registrar os dados da pessoa que está comprando aquele material, com endereço, documentação”.

Isso traz legalidade à ação. Quando ele não tem esse controle, junto ao grande volume de cabeamentos das redes elétricas das concessionárias ou dos cabos de telefonia – que são cabos específicos, patenteados e que não podem ser comercializados a público civil externo, apenas às empresas com CNPJ – é identificado o crime.

“Ali a gente consegue caracterizá-los, mas para que a gente consiga caracterizar realmente como crime, precisamos do apoio dessas concessionárias e empresas para dar materialidade no crime”, aponta o GCM Pedroso.

As Operações da Guarda Municipal trazem bons frutos aqui, com apreensões de grandes quantidades de cobre de origem ilícita. Em fevereiro, por exemplo, 700 quilos de cobre, 20 aparelhos de repetidores de telefonia e uma saveiro furtada foram apreendidos em um ferro-velho na Rua dos Cafezais.

(Reprodução, GCM)

O dono do estabelecimento foi levado para a delegacia, junto da esposa, para prestar esclarecimentos. O local funcionava havia seis meses na época.

No mesmo mês, a Guarda Civil Metropolitana e demais autoridades apreenderam uma tampa de bueiro pluvial da prefeitura e 108 quilos de fios de cobre, sem procedência em um ferro-velho em Campo Grande.

Em outra ação, que ocorreu no início do mês de junho, a ‘Operação Ferro-Velho’ terminou com a apreensão de cinco baterias de telefonia, produto que não pode ser comercializado. O estabelecimento na Avenida Tamandaré também não possuía licença ambiental para funcionar.

Um funcionário do local foi encaminhado para a delegacia para prestar esclarecimentos.

Produtos proibidos foram apreendidos pela GCM – (Nathalia Alcântara, Jornal Midiamax)

Para Alexandre Pedroso, os resultados são positivos e demonstram a união entre as autoridades para atuar em prol da sociedade. “Tem trazido bons frutos, porque cada um trabalha isoladamente dentro da sua área, fazendo o que pode. Quando começamos a agregar esses esforços, a Operação fica maior, traz uma eficiência melhor em todas as atribuições, realmente responsabilizando aqueles que cometem crime, e também começa a passar uma mensagem para aqueles que praticam”, aponta.

Mesmo assim, o subcomandante da GCM explica que alguns receptadores dos ferros-velhos tentam ‘burlar’ a fiscalização. “Já têm organizado salas e locais onde querem camuflar esses produtos de origem ilícita, para poderem burlar a fiscalização. Mas nossas equipes fazem a verificação de todo o espaço”, conta.

Dentro da legalidade

O responsável pelo estabelecimento que for flagrado com cobre furtado poderá responder por receptação. As penas são de até quatro anos de prisão para receptação dolosa e até um ano de prisão para a modalidade culposa. Independente da falta ou presença de dolo, ele pode responder criminalmente.

“Aqueles que receptavam os materiais, agora sabem que há dispositivos legais que ele pode perder, inclusive, pode gerar uma multa de até R$ 10 mil e, caso reincida, até ter o alvará cassado, sendo proibido por 10 anos de exercer a função de coleta e reciclagem”, acrescenta o subcomandante da GCM.

Conforme informações da Guarda Municipal, os materiais apreendidos, majoritariamente, são coletados por empresas de outros estados, especialmente de São Paulo, que mandam periodicamente meios para fazer a coleta desses produtos.

Depois, os materiais são prensados e compilados, para que possam ser levados às indústrias, onde ocorre todo o trabalho de reciclagem e reutilização. “A gente sabe que a reciclagem é muito importante, tem que realmente fazer o reaproveitamento, porque faz parte do nosso compromisso com a natureza, mas tem que ser feito dentro dos trâmites legais”, explica o GCM Pedroso.

Como ciclo, ele se repete. Com a maior ação no meio da cadeia, isto é, os receptadores, como fica a primeira etapa dependente desses crimes: os usuários de drogas?

Assista à reportagem em vídeo: